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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O diabo na livraria do conego


Eduardo Frieiro

O Diabo na Livraria do Cônego

Itatiaia / Editora da Universidade de São Paulo.

Belo Horizonte / São Paulo.

2ª edição. 1981.

Pouco se ficou sabendo da vida do Cônego Luís Vieira da Silva, um dos implicados na Conjuração Mineira de 1789. Mas deixou ele quase um milheiro de livros, sequestrados pelas autoridades da Devassa. Formavam uma variada biblioteca, admiravelmente selecionada, como provavelmente não existia outra igual em todo o País, naquela época. Que livros lia o Cônego? Quais eram as inclinações ou direções do seu espírito, ávido de saber? Eis o que se investiga neste livro, tendo como base a relação dos livros apreendidos, que figura nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira, mostrando que Luís Vieira, ainda que pobre e vivendo na longínqua e mal povoada Capitania das Minas Gerais, de onde nunca saíra, achara meios de reunir uma notável biblioteca.


O Cônego era pobre. Toda a sua riqueza estavam na bem fornida livraria que conseguira reunir. E provavelmente não ambicionava outra, tão certo é que aqueles que se inclinam ao amor dos livros prezam pouco o dinheiro e os bens deste mundo. Sábio como era, facilmente se consolaria da sua pobreza de intelectual, dizendo a si próprio que um mesmo homem não pode estimar a pecúnia e as cousas do espírito, ou, com palavras de um doutor da Igreja, a moeda de ouro e a Escritura.


Que inteligente leitor foi Luís Vieira da Silva! Na sua livraria, excepcional para um Geralista (nome que também se dava ao Mineiro, filho das Minas Gerais), mesmo de boas letras, cuja investigação iniciamos no capítulo anterior, a Religião, a Filosofia, as Letras e as Ciências, o antigo e o novo achavam-se bem representados e, em alguns casos, muitíssimo bem representados. Havia ali com que desenvolver integralmente as faculdades intelectuais e formar uma sólida cultura geral.


Prosseguindo na investigação, veremos o que havia com referência às boas letras e às doutrinas literárias. São evidentes os sinais de apreço à antigüidade clássica e aos melhores clássicos franceses e portugueses. E nota-se também, como era natural, o gosto pela literatura que no século XVIII tomara por toda a parte um caráter científico, filosófico ou utilitário que sufocava o poético, criador e lírico. O influxo francês mostrava-se exagerado. Voltaire era o grande mandarim literário, dentro e fora de França e ainda passava — ele, o Anti-Poeta! — pelo maior poeta lírico e dramático do século. Volumes de Voltaire foram encontrados entre os livros de Luís Vieira, Alvarenga Peixoto e Coronel José Resende Costa. Seu Essai sur la Poésie Épique foi, segundo João Ribeiro, o evangelho de Cláudio Manuel na composição do poema Vila Rica, artificioso e coriáceo exercício poético de um lírico já sem veia.


E, não o esqueçamos, era a época das Arcádias que em Portugal se fundaram à imitação das italianas e tiveram reflexos no grupo literário de Vila Rica.


Dos autores imortais da antigüidade clássica existiam na livraria do cônego: Virgílio, Horácio, Suetônio, Júlio César, Quinto Cúrcio, Ovídio, Terêncio, Catulo, Tibulo, Propércio, Cornélio Nepos, Ausônio, Manílio, Quintiliano, Sêneca, alguns em edições ad usum Delphini, e as orações de Demóstenes em latim.


Dos clássicos portugueses, viam-se os quinhentistas Sá de Miranda, Camões (Os Lusíadas, com as notas de Faria e Sousa), Barros e Diogo do Couto (Décadas) e Diogo Bernardes (O Lima), e o seiscentista Gabriel Pereira de Castro (Ulisséia, ou Lisboa Edificada). Dos setecentistas, Luís Antônio Verney (Obras, Lógica), Dom Antônio Caetano de Sousa (Memórias Históricas e Genealógicas dos Grandes de Portugal), Padre Antônio Pereira de Figueiredo (Compêndio das Épocas), Francisco José Freire...


Nada sobre o Brasil ou do Brasil. Muito mais tarde é que entraria naos homens ilustrados o apreço pela terra e as cousas brasileiras. Só uma obra de escritor nascido aqui, o Orbe Seráfico de Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão.


Dos clássicos franceses, Corneille, Racine, Bossuet, Voltaire, Fénelon, Montesquieu, Marmontel... Em traduções francesas, Anacreonte, Le Paradis Perdu de Milton, La Méssiade de Klopstock e dois volumes de Mélanges de Littérature Orientale de Cordomi....

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