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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Anarquismo: da Doutrina a Acao Daniel Guerin 1968 Anarco Anarquia Anarquista



Anarquismo: da Doutrina a Acao

Daniel Guerin

editora: Germinal

ano: 1968

Brochura em boa condicao; texto sem grifos nem marcas. Fora de catalogo. 1. ed. 179p.




Breve tributo:

Editora Germinal a editora Anarquista –

Durante a 2ª Grande Guerra, Roberto das Neves emigra para o Brasil, com a mulher e a filha, passando a viver no Rio de Janeiro. Arranja trabalho em alguns jornais, de início, mas a sua vida de trabalho vem centrar-se na editora Germinal e no Instituto de Pesquisas Grafológicas. A actividade editorial caracteriza-se pela divulgação das suas ideias anarquistas, de concepção de vida e saúde e, indefectivelmente, pela oposição ao regime de Salazar.

Na Germinal – nome sugestivo para anarquista – publica obras de combate à ditadura de Salazar, da autoria do Capitão Henrique Galvão (“Operação Dulcineia”, sobre o assalto ao paquete Santa Maria), do Capitão Fernando Queiroga (“Portugal Oprimido”), do Comandante Oliveira Pio (“Fascismo Ibérico”) e do General Humberto Delgado (“Tufão sobre Portugal”), além de outros, sobre temas anti-clericais, como os de autoria de Tomás da Fonseca (“Sermões da Montanha”, “Bancarrota da Igreja”, etc.).

Publica também livros sobre temas de saúde e alimentação, como Macrobiótica Zen, sobre o regime alimentar de Are Waerland, e outros cultivados na tradição alimentar tibetana, além de prospectos e folhetos que publicava sobre os mais variados temas, desde o anti-tabagismo à ridicularização dos comendadores endinheirados da colónia portuguesa, todos salazaristas, com duas únicas excepções: o Comendador Seabra e o Comendador Feteira.

No campo anarquista, a Germinal tinha duas vertentes: uma editorial e outra livreira.

Editava obras de tese anarquista, cujo fundo compreendia autores como Daniel Guérin (O Anarquismo – Da doutrina à acção), José Oiticica (Ação Directa), Han Ryner (Manual filosófico do individualista), E. Armand (A Nova Ética sexual” e “Cooperativas de Amor”), V. Tcherkesof (“Erros e contradições do Marxismo”), entre outros.

No catálogo de venda de livros estrangeiros, principalmente clássicos em francês ou espanhol, incluíam-se obras de E. Lanti, (O Manifesto dos Anacionalistas), Sébastien Faure, Proudhon, Kropótkin e outros de oposição à historiografia oficial da Revolução Soviética, como Vóline, que tratavam dos temas polémicos da oposição entre anarquistas e comunistas na então URSS e em Espanha, durante a guerra civil.

A Germinal teria, obviamente, um catálogo de “literaturo en esperanto” que incluía traduções de algumas das obras atrás citadas e de Goethe (“O Fausto”), de Tolstoi, Malatesta, Krishnamurti, Óscar Wilde, Jack London, Eugen Relgis, Rosa Luxemburgo, etc., editadas pelas comunidades esperantistas de todo o mundo e que a Germinal vendia, militante.

Bibliografia – Da sua própria autoria Roberto das Neves publicou, em Portugal, alguns poemas de juventude:

(“Maio em Flor”) e, de conteúdo mais político,

“O Espectro de Buiça”, em 1926, logo apreendido pela polícia, além de uma monografia sobre a sua terra natal –

Pedrógão Grande.

Publicou ainda o que intitulou “Curso Completo de Esperanto”, em fascículos, que consistia numa adaptação de outros métodos de aprendizagem do Esperanto por falantes doutras línguas ocidentais para os de língua portuguesa. Os exemplares restantes da edição deste livro seriam transportados na bagagem de porão do navio, quando Roberto das Neves se transfere para o Brasil, com a família, e viriam a ser todos devorados por um incêndio ocorrido no 18º. andar de um conhecido edifício no centro do Rio de Janeiro, o edifício Rex, onde tinham acabado de se instalar a Editora Germinal e o Brazilia Instituto de Esperanto. Numa edição de autor, publicou a sua tese de licenciatura, “Os temperamentos e as suas manifestações gráficas”.

No Brasil editou, sob a chancela da Germinal e das Edições Mundo Livre, as seguintes obras:

“Assim cantava um cidadão do mundo” que reúne poesias de intervenção social desde os tempos de Coimbra. Mereceu críticas elogiosas de amigos e de companheiros de ideias, entre os quais Henrique de Barros, João de Castro Lira e de outros, como Luís Inácio Domingues (Gazeta do Brasil), Edmundo Moniz (Correio da Manhã) que diz: “se, por um lado, o carácter político de sua obra prejudica a sua forma artística, por outro lado dá-lhe grande relevo, pois nele temos um vigoroso panfleto, escrito em versos flamejantes, que tão bem interpreta os sentimentos e as aspirações de um povo oprimido, sofredor e revoltado” … “Na poesia de R. das N. não falta poder de comunicabilidade emocional, pois ele toca numa das teclas mais sensíveis da nossa época: a libertação material e espiritual”. De inspiração junqueiriana, os títulos de alguns dos seus poemas depõem sobre o conteúdo: ‘Sem bandeiras nem fronteiras’, ‘Não irei à guerra, César’, ‘Quero ser como tu, Satan’, ‘Um burro se confessa’, ‘Bernard Shaw chega ao Céu’, etc. Dedica alguns poemas ao Cardeal Cerejeira, que assevera ser ‘o maior ateu de Portugal’. Este seu primeiro livro, de maior fôlego, inclui um soneto satírico e autobiográfico, composto na prisão, que deixa escrito na parede da cela:

Nasceu em Pedrógão Grande
e é cidadão do Universo.
Suas revoltas expande
nas asas largas do verso!

Os sofrimentos do Povo
combate-os – louco idealista! –
e visiona um mundo novo,
em seus sonhos de anarquista.

Javerts sinistros, medonhos,
em prémio dão-lhe a delícia
de ir concluir os seus sonhos
nas masmorras da Polícia…

“O Diário do Dr. Satan” (Comentários subversivos às escorrências cotidianas da sifilização cristã), onde atinge o seu máximo de irreverência e crítica à religião católica e a todas as formas de dogmatismo religioso, político, cultural e científico. Satan (de Satanás, Lúcifer, das luzes…) foi o nome que R. das N. adoptou na maçonaria, em Lisboa. Quando acabou o seu curso de história e filosofia os amigos (irmãos) começaram a tratá-lo por “Dr.”, e daí o Dr. Satan. Nos seus comentários, os nomes de Hitler, Estaline, Franco e Salazar aparecem, com repetida frequência, irmanados na hediondez das respectivas ditaduras.

“Marxismo, escola de ditadores”, editado pela Mundo Livre, trata-se de um pequeno ensaio, incluído numa colecção de Cadernos da Juventude, onde, referindo as contradições que via em Marx, afirma as ideias anotadas pelos anarquistas de que “a ditadura do proletariado” não perderá a transitoriedade que Marx profetiza, perpetuando-se numa ditadura de partido único. Por outro lado, as análises correctas de Marx sobre o capitalismo da época "não lhe pertencem, pois, já haviam sido enunciadas pelos socialistas apodados com desdém de utópicos, que o antecederam". Defende historicamente as utopias e os utopistas. "Utopias foram a monarquia liberal, no tempo das monarquias absolutas; o abolicionismo, na época da escravatura; a república, na era das monarquias; Júlio Verne e as viagens à Lua…" Este trabalho compreende uma exaustiva recensão das utopias escritas ao longo da História, e de que há conhecimento, no Brasil e no mundo.

“Entre Colunas” (livro cujo título revela a natureza ou a relação maçónica do conteúdo e do autor) reúne doze ensaios ou conferências proferidas nas lojas maçónicas: Labareda, de Coimbra; Rebeldia e Montanha de Lisboa; Aurora, do Porto; Republica Portuguesa, de Madrid; Libertá e Primeiro de Mayo, em Barcelona; Germinal, Pátria Humana, Maria Lacerda de Moura, Lusitânia Livre e Prof. José Oiticica, no Rio de Janeiro; e Francisco Ferrer y Guardia, de São Paulo. Da Maçonaria, R. das N. escreve que ela "não é, como se sabe, uma organização anarquista, anticapitalista, anti-religiosa, mas sim um laboratório de investigação filosófica, sociológico, científica, adogmática, uma tribuna livre, aberta a todas as doutrinas, numa busca incessante e ilimitada da Verdade. Possui um único dogma, se assim se lhe pode chamar: o culto da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade. É sobre esta pedra triangular que assenta o edifício doutrinário da Maçonaria". "Maçons, esses incansáveis investigadores e cultores da filosofia prática".


No cultivo da literatura de combate pelo humor, pelo sarcasmo e pela obscenidade, ao bom estilo dos anarquistas do tempo em que a acção directa armada era por eles adoptada, Roberto das Neves fez coisas que narra em seus livros de que se arrependeu, mais tarde, por atentarem contra a liberdade de convicções dos outros. Estão neste caso inúmeras acções de ataque às crenças e rituais religiosos, como "o sujar com pó de sapato vermelho a água da pia de água benta da Sé de Coimbra"… "Coisas de juventude", explica, pedindo desculpa!

Outro exemplo desta forma de combate pelas ideias, neste caso usando a obscenidade, pode ver-se em vários opúsculos e panfletos, uns assinados outros apócrifos, como o que se refere à colónia de comendadores portugueses salazaristas do Brasil em que a obscenidade mais suave se manifestava pela grafia da palavra “culónia”, sempre com “u”…

Foi atacado por opositores, inimigos políticos e também por correligionários, neste caso quando se zangavam (porque o humor é difícil de manter zangado), por esta sua vertente de “combate literário”. Defendia-se, dizendo que não era pornógrafo nem pornográfico, pelo rigor de linguagem e precisando que as obscenidades ajudavam a ridicularizar os visados!... Na verdade, a qualidade de escrita que Roberto das Neves colocava nestes textos era desconcertante, não desmerecia do que conseguia escrever de melhor. Era uma forma de combate dos anarquistas, levada a sério, mas que também o divertia imenso…

Grafologia – A sua outra actividade mais regular desenvolvia-se no âmbito do Instituto de Pesquisas Grafológicas, que fundou no Rio de Janeiro, onde dava cursos de grafologia, desenvolvia estudos, participava em conferências e fazia análises grafológicas de candidatos a lugares que algumas firmas de selecção de pessoal lhe encomendavam. O seu principal cliente era uma universalmente conhecida empresa de lapidação de pedras preciosas e fabricante de jóias que tem o nome do seu principal dono – a H. Stern. Roberto das Neves foi chamado a realizar um estudo grafológico, numa determinada situação, em que um conjunto de pessoas era abrangido, inclusive um jovem chamado Hans, na altura, um modesto funcionário. Pelo perfil grafológico elaborado, tratava-se de um génio comercial. Que viria a tornar-se dono da empresa e um adepto da grafologia: o Sr. Hans Stern!

Oposição Portuguesa – Participa nas acções desenvolvidas pelos vários núcleos de emigrados políticos no Brasil. Pontualmente colaborava com comunistas, reunidos em torno do jornal Portugal Democrático; convocava os seus amigos anarquistas brasileiros para darem maior expressão às lutas da oposição a Salazar e cooperava com todos os outros exilados portugueses, como Sarmento Pimentel, José Santana Mota, engenheiro Baleisão e outros em São Paulo e Oliveira Pio, Armando Magalhães, Francisco Horta Catarino, além de muitos outros, no Rio de Janeiro.

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Esta nota, na parte biográfica, foi elaborada com a contribuição do filho, Roberto das Neves, e da Professora Doutora Heloisa Paulo, autora de uma tese sobre os portugueses no Brasil e, actualmente, particularmente interessada e conhecedora dos movimentos da oposição à ditadura de Salazar-Caetano no Brasil, a quem agradeço as ajudas prestadas.

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