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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

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Nestor Perlongher

O negócio do michê: a prostituição viril em São Paulo

Brasiliense


livro em bom estado, brochura original, escasso, não perca, saiba mais....

"Quando vou transar com um cliente" - diz um garoto de programa entrevistado por Nestor Perlongher em O negócio do michê - "eu não sou eu; eu sou a fantasia do cliente".

O desejo fora da ordem se vê emaranhado, de saída, nas demandas da troca material e do imaginário que o provoca e regula.


Na enunciação do rapaz se condensa o complexo de questões que a prostituição homossexual masculina abarca e projeta para além dela própria, e que formam a matéria desse notável trabalho, reeditado em boa hora.

Trata-se de uma etnografia substancial e de um ensaio brilhante de interpretação teórica, que não apenas se destaca no importante acervo de estudos socioantropológicos de sexualidade feitos no Brasil, em sua época, como se mostra altamente proveitoso e relevante à luz dos debates atuais.

A expansão do espetáculo e do consumo voltado às homossexualidades deparava-se então com a terrível irrupção da pandemia da Aids, cuja magnitude trágica apenas se desenhava e da qual o próprio Perlongher veio a ser uma das vítimas.



Nesse quadro, a discussão em torno da homossexualidade masculina, tanto na academia como na política, problematizava a questão das emergentes políticas de identidade. Havia naquele momento uma grande inquietação quanto à possibilidade de essencialização (ou "reificação", para usar uma expressão mais comum à época) da oposição hetero/homossexualidade e da conseqüente instituição de novas formas de rotulação, estigmatização e marginalização. A base era a conhecida reflexão de Peter Fry acerca de dois modelos classificatórios da sexualidade masculina em disputa. De um lado, o modelo "hierárquico-popular", de profundas e persistentes raízes históricas e culturais, que distinguia "homens" e "bichas", respectivamente "ativos" e "passivos", segundo uma hierarquia de gênero articulada ao papel esperado no ato sexual. De outro, o modelo "igualitário-moderno", que distinguia "homossexuais" ("entendidos" ou "gays") e "heterossexuais" a partir de concepções de orientação do desejo sexual, cuja origem estaria nos discursos médicos e psicológicos do final do século XX, crescentemente adotado pelos movimentos em defesa dos direitos homossexuais e pelos setores mais intelectualizados das classes médias das grandes cidades.


O negócio do michê apresenta-se como um paradoxo: por um lado, põe em movimento uma fuga desejante que enlaça os corpos (uniões de órgãos, mais do que conjugalizações personalizadas). Por outro, uma diversidade de dispositivos se instaura para canalizar, veicular essa eclosão desejante, de modo a evitar, esmagar ou neutralizar os perigos de fuga. Perigos estes que podem aparecer sob diversas formas: perigo de morte ou violência corrido pelo cliente; perigo de paixão ou efeminamento vivido pelo prostituto.


Como alternativa ao foco nas identidades sociossexuais, Perlongher elaborou a idéia de "territorialidade", com a qual seria possível compreender as categorias de autodefinição sexual como "pontos" dentro de redes circulatórias, os quais estariam numa relação de contigüidade e mesmo de mistura. A territorialidade é assim pensada em termos de um "código-território", que atualiza uma lógica peculiar de distribuição de atribuições categoriais a corpos e desejos em movimento, estipulando a fixação a um gênero, uma postura, uma aparência, uma gestualidade, uma discursividade, uma corporalidade - tatuagens e outras marcas corporais, tipificação da indumentária, modelização de tiques, trejeitos e gestuais -, que operam como indícios de um desempenho sexual esperado ou proclamado segundo os critérios de seleção e valorização de parceiros do mercado homoerótico masculino.


Na compreensão das trajetórias e transas entre michês e clientes, Perlongher recorreu ainda às noções deleuzeguattarianas de "desterritorialização" e "reterritorialização", as quais correspondem, respectivamente, a afastamentos em relação às sociabilidades respeitáveis, moralmente reconhecidas, e a aproximações aos códigos do "submundo"; no caso, da homossexualidade e da prostituição.

Territorialidades envolvem, portanto, mais do que representações ou projetos: dizem respeito às mobilizações e deslocamentos espaciais e categoriais, bem como à materialidade de corpos e partes de corpos ressaltados e valorizados, incluindo os próprios lugares que esses corpos percorrem e dos quais auferem parte de sua legibilidade.


Vale notar que a operacionalização etnográfica, por Perlongher, dos conceitos de Deleuze e Guattari, passava pela incorporação germinativa de uma insuspeitada ligação entre essas preocupações teóricas e certos pontos de vista da célebre "Escola de Chicago", sobretudo no que diz respeito ao esforço de jogar luz sobre a fragmentação ou segmentaridade do sujeito urbano que, como ressalta Perlongher, teria sido assinalada pioneiramente pelos clássicos dessa tradição.


Mais do que estas e várias outras ressonâncias no debate contemporâneo, porém, fica a referência de um trabalho de pesquisa sólido, de escrita eloqüente, que enfrentou questões de agência, perigo, dissenso e desigualdade, de uma perspectiva antropológica revigorada, ousada e criativa, numa temática ainda não plenamente legitimada nas nossas ciências sociais.


Longe de um retrato aventuroso e exotizante, orientado por algum fascínio ingênuo pela marginalidade, o "negócio do michê" é mostrado como agenciamento complexo de fluxos de dinheiro e desejo, de paixão e de morte, de corpos clientes (homossexuais marginalizados pela idade e pelo estigma), de corpos prostituídos (adolescentes minoritarizados pela juventude e pela miséria).

A estrutura virada ao avesso expõe sem escamoteações estéticas sua molecularidade dura de afetos, carências, violências e desigualdades, de carne, sangue e demais fluidos.


Trata-se de um trabalho bastante elogiável e competente.


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